Encerramento de Gestão: Um Ciclo de Transformação para o Voo Livre
Vinícius Matuk escreve sobre sua gestão frente à CBVL
Entrevista Exclusiva
Gabriel Jansen, um dos grandes talentos brasileiros de hike-and-fly, participou recentemente do X-Pyr 2024, uma das competições mais desafiadoras do mundo deste formato. Logo no primeiro dia de prova, Gabriel assumiu a liderança da competição, superando atletas nativos e surpreendendo a comunidade de voo local.
A seguir, compartilhamos uma entrevista exclusiva que ele concedeu à CBVL, contando detalhes de sua incrível jornada.
Liderança no Primeiro Dia
CBVL: Gabriel, como foi a sensação de liderar a prova no primeiro dia do X-Pyr?
Gabriel: Que experiência mais surreal. O dia estava se apagando e eu sabia que o ciclo estava chegando ao fim. As nuvens cúmulos bateram na inversão e estavam se espalhando para os lados, sombreando quase tudo. Tinha pilotos do meu lado acelerando como se não houvesse amanhã, mas eu estava sem pressa alguma. Me mantive alto e fui escolhendo as melhores linhas, pulando de montanha em montanha. Depois de algumas horas, o sol voltou a brilhar e consegui aumentar a velocidade.
CBVL: Teve algum momento específico que você percebeu que estava na liderança? Como foi essa experiência?
Gabriel: Sim, minha equipe ia me comunicando as posições pelo Zello (aplicativo que substitui o rádio). Comemoramos rapidamente com alguns gritos e já comecei a me concentrar para continuar a progressão. Pousei na montanha na entrada para o circuito do Val d’Azum, subi até o Col e ainda consegui fazer dois excelentes planeios para aí sim fechar o dia.
Dificuldades
CBVL: Depois de um início promissor, você acabou perdendo algumas posições. Quais foram os principais desafios que você enfrentou?
Gabriel: Desde o início, meu mindset era de competir contra os Pirineus. Ir no meu ritmo, sem forçar demais e tampouco ir devagar. Sabia que tinha que respeitar meu ritmo, pois é melhor voar 5-10 km/h mais devagar do que ir para o chão. A estratégia funcionou e todos os meus voos foram de janela cheia, pousando praticamente no final de cada dia. Estou muito feliz.
No terceiro dia, houve uma situação muito singular. Uma CB gigantesca se desenvolveu bem na rota do voo. Teve pilotos que entraram debaixo dela e foram até sugados e penalizados pela organização. Relataram pousos perigosos com ventos fortíssimos. Eu tinha duas opções: arriscar com segurança e tentar retomar minhas posições contornando o espaço aéreo ou pousar na montanha e fazer 30-40 km pelo chão para me posicionar para o dia seguinte. Meu plano era chegar na borda do espaço aéreo, subir até 3500 metros e passar voando por cima do espaço aéreo com a lateral sempre à minha disposição. O vento nas camadas altas estava a 30-40 km/h e a tirada seria muito rápida. Infelizmente, fiquei a uma térmica de conseguir realizar o planejado. Foi muito divertido ter sido o único a ir na rota ao sul e, mesmo tendo feito vários quilômetros a mais, fiquei muito perto do top 10. Fui ousado, mas sem pôr minha vida em risco voando nas proximidades da CB. Não poderia estar mais feliz.
É um jogo de xadrez, você faz um movimento e espera o tabuleiro se adequar. Eu tomei uma estratégia de alto risco que poderia ter me rendido as posições perdidas. Uma estratégia mais conservadora de pousar na montanha e caminhar debaixo da chuva por horas talvez teria sido mais eficaz.
CBVL: Pode compartilhar um momento em que você se sentiu particularmente desafiado durante a prova? Quais foram os momentos mais desafiadores da competição para você?
Gabriel: A travessia da França para a Espanha no meio de montanhas gigantescas e bem na convergência foi o maior desafio. Fiquei horas para decifrar o escoamento do vento e me posicionar ao lado da borda entre os países. Estava tudo sombreado e muito difícil de ganhar altura suficiente. Me escorei a cem metros do fundo daquele vale ao lado de uma parede rochosa gigante. Neve, um lago, rochas e uma catedral de montanha tentando me engolir. Tive muita paciência e esperei até uma térmica desprender e eu conseguir ganhar altura suficiente para passar próximo da base da nuvem que quase tocava o topo das montanhas.
Momentos Desafiadores
CBVL: Como você lidou com as condições fracas no ar durante a prova?
Gabriel: Em uma prova de hike-and-fly, você tem que evitar ao máximo pousar no fundo do vale. Abaixo de certa altura, não vale a pena lutar com bolhas pequenas e perder muito tempo. O negócio é pousar na montanha, ganhar altura caminhando e decolar novamente. Essa estratégia funciona muito bem. Uma boa leitura do escoamento do vento te protege também com as faces que o lift vai funcionar. Além disso, voar na velocidade da condição, sempre privilegiando a altura e a velocidade máxima. E se tudo sombreou na frente, aproveite, pouse na montanha, curta o visual e espere o sol aquecer novamente.
CBVL: As decolagens estavam especialmente arriscadas no decorrer da competição. Como foi enfrentar essas condições?
Gabriel: Eu adoro decolar e sou fanático por ground handling. Isso me dá uma confiança muito grande nesses momentos. Tivemos algumas decolagens com vento fraco no meio de arbustos e rochas que foram extremamente desafiadoras. Não teria conseguido sem minha equipe auxiliando com as linhas. Mas hike-and-fly é isso, um trabalho de time.
Sensação de Cruzar a Linha de Chegada
CBVL: Como foi a sensação de cruzar a linha de chegada do X-Pyr? ????
Gabriel: Depois de alguns dias, você entende que a prova é você contra você mesmo. No penúltimo dia, depois do turnpoint do Val de Núria, pousei ao lado de um piloto alemão. Nos abraçamos como se nos conhecêssemos há vários anos e comemoramos muito, pois sabíamos que, a partir daquele ponto, não haveria mais nada que nos separasse do pórtico de chegada. Foi um divisor de águas mental. A partir dali, fiquei muito emocionado e já comecei a curtir a linha de chegada mesmo estando a 100 km dela.
CBVL: O que passou pela sua cabeça no momento em que terminou a prova?
Gabriel: Uma sensação de realização e gratidão tomou conta de mim. Saber que superei desafios tão intensos e consegui completar a prova foi indescritível.
Aprendizados e Lembranças
CBVL: Olhando para trás, quais foram os principais aprendizados que você leva dessa competição?
Gabriel: As provas longas de hike-and-fly são um esporte de time. Não basta voar como passarinho e ser um monstro no chão. Você tem que ser um bom líder. Saber selecionar quem vai estar ao seu lado, definir responsabilidades e confiar no trabalho de cada um. Se você tiver que se preocupar com tudo, a jornada pode ser muito penosa.
CBVL: Tem algum momento ou experiência que você vai guardar com carinho dessa edição do X-Pyr?
Gabriel: Sim, a emoção de toda a minha equipe nos últimos trinta quilômetros. Foram muito fortes os sentimentos que vieram lá de dentro e compartilhados com todos. Choramos muito e foi muito especial vencer os Pirineus.
Próximos Planos
CBVL: Quais são seus próximos planos e objetivos no mundo do voo livre após o X-Pyr?
Gabriel: Quero voar mais rápido e de forma mais eficiente em montanha. Agora que sei que estou no nível mundial dos atletas, posso manter e focar em criar mais penas na minha asa. Também tenho que treinar muito na neve e me familiarizar com esse ambiente. Esse é meu objetivo secundário para os próximos grandes desafios.
CBVL: Existe alguma competição ou desafio específico que você já esteja de olho para o futuro?
Gabriel: X-Alps é o sonho. Acho que tenho muita chance de ser selecionado para o ano que vem. Será uma honra representar novamente o Brasil e estou com a faca nos dentes para evoluir e enfrentar os Alpes. O maior desafio vai ser montar uma boa equipe e levantar recursos para poder representar o Brasil. Sozinho não conseguirei e conto com a ajuda da nossa comunidade para mostrarmos ao mundo a gana que só o brasileiro tem.
Reflexões Pessoais
CBVL: Como você vê a evolução do esporte e a sua própria evolução como piloto após essa participação?
Gabriel: Quero inspirar as pessoas a se conectarem com a natureza e a buscarem seus sonhos. Tive que vender meu carro para treinar e levantar os recursos finais para o X-Pyr e posso dizer que valeu cada centavo. Vou levar essa experiência para o resto da minha vida. Aproveito para agradecer os meus apoiadores @altamontanha @casadepedra @ozone.br @ozoneparaglider e a todos que contribuíram com esse sonho.
Quero muito evoluir cada vez mais e brigar para colocar o Brasil cada vez mais alto no ranking mundial de Hike& Fly.
CBVL: Qual mensagem você gostaria de passar para outros pilotos e entusiastas do voo livre que acompanham sua trajetória?
Gabriel: Sonhe, acredite com o fundo do seu coração e as coisas acontecem.Lembre-se de sempre se divertir e sempre tenha um pensamento positivo, isso faz toda a diferença na vida das pessoas que estão ao seu lado.
CBVL: Muito obrigado por compartilhar sua experiência conosco, Gabriel!