Gabriel Jansen no X-Alps: Superação, Treinamento Intenso e o Orgulho de Voar pelo Brasil!
Entrevistamos o Gabriel sobre sua preparação para o X-Alps
Para nós, voadores livres, encontrar uma térmica é como encontrar um pote de ouro. O modo como iremos interagir com ela vai depender do entendimento que temos da sua forma e de seu comportamento, invisíveis aos nossos olhos, mas passíveis de serem compreendidos e, assim, revelados.
Estudos meteorológicos raramente se ocupam em analisar as térmicas, tema relacionado a microssistemas climáticos, de pouco interesse para sistemas de grande escala do qual os cientistas mais se ocupam. Daí termos nossos próprios conceitos e uma compreensão empírica acerca deste assunto.
Conceitualmente, uma térmica é uma parcela de ar presente na camada limite (ou camada superficial superadiabática, a camada do ar atmosférico onde nascem as térmicas), que está em contato com a superfície, e que, aquecida por ela a uma temperatura maior que o ar do seu entorno, se expande, tornando-se mais leve e criando um fluxo instável ascendente. Nosso pote de ouro.
As térmicas são de natureza cíclica e um componente da circulação convectiva. Apesar de muitos pilotos pensarem que achar térmicas é um jogo de probabilidades, elas não estão distribuídas de modo anárquico, uma vez que existe um padrão de circulação relativamente persistente. Cabe a nós entendermos o tipo de circulação que está ocorrendo em um determinado dia.
Pássaros voam melhor do que nós porque, além da óbvia vantagem de poderem bater suas asas, possuem melhor acuidade visual e veem pequenas partículas carreadas pelos fluxos ascendentes, imperceptíveis aos olhos humanos. Quando conseguimos ver uma térmica, normalmente ela tem fumaça, poeira, vapor, pássaros ou outras asas. Com sorte, avistamos objetos maiores sendo levados por uma térmica, como folhas, sacos plásticos ou mesmo borboletas.
Uma térmica, por princípio, tem a forma e o comportamento de um dust devil. De fato, o que diferencia uma térmica de um dust é a presença ou não de poeira no local de onde a térmica se originou e sua potência. Nascendo a térmica de um local onde há poeira em abundância, essa poeira será levada pelo fluxo e conseguimos “ver a térmica”. Não havendo poeira, a térmica se comportará da mesma maneira que um dust devil, mas em "modo invisível” e menos potente.
Portanto, uma térmica é um microssistema local de baixa pressão, que suga o ar adjacente, criando um fluxo ascendente circular, na forma de um vórtice. O sentido de circulação de uma térmica tende a acompanhar o efeito Coriolis, sendo ele horário no hemisfério sul e anti-horário no hemisfério norte.
Aqui cabe ressaltar que térmicas também sugam nossas asas, desde que nós assim permitamos. Uma vez que consigamos nos deixar levar pela termal, a tendência é sermos atraídos para o centro dela, onde o fluxo é mais intenso e a pressão menor.
Sendo a térmica uma massa de ar, ela possui inércia e está sujeita à influência do vento sinótico. Assim, quanto maior e mais forte for uma térmica, menos influência sofrerá do vento predominante. Inversamente, quanto mais fraca a térmica e mais forte o vento, maior será a influência do vento na determinação do formato da térmica. A influência do vento pode ser tamanha que pode chegar a quebrar uma térmica mais fraca. Esta variável é a razão entre flutuabilidade e cisalhamento.
Sem a influência de ventos, uma térmica tem a forma de uma coluna de base alargada junto ao solo, pois suga o ar aquecido por uma superfície maior que sei diâmetro, e o topo da coluna tem a forma da nuvem por ela formada. Sob influência de ventos, a coluna se torna inclinada na direção do vento, que comumente chamamos de “deriva”. Em um dia sem nuvens, a forma do topo de uma térmica ao encontrar a resistência de uma inversão se assemelha a um chapéu de cogumelo.
Estrutura de uma térmica (il.do lLivro Understanding the sky – New Edition, Denis Pagen)
Sabidamente, no processo convectivo, a massa de ar quente ascendente, ao esfriar, torna-se mais densa, perdendo sua capacidade de flutuação e adquirindo um fluxo descendente. Assim, o fluxo ascendente criado pelo desprendimento da térmica gera cisalhamento vertical nos limites com os fluxos descendentes, gerando turbulências.
O núcleo de uma térmica possui uma razão de subida maior e mais laminar que suas extremidades. Isso faz com que as bordas de uma térmica gerem vórtices e, portanto, turbulências. Portanto, ao nos deparamos com turbulência enquanto planamos é indício da existência de térmica nos arredores.
Tendo massa inercial, uma térmica funciona como um obstáculo para o vento predominante, como se fosse um grande edifício. Com isso, a frente da térmica em relação ao vento (a barlavento) apresenta um fluxo mais ascendente e laminar. Em contrapartida, a sotavento de uma termal é onde se encontra o fluxo descendente e mais turbilhonado.
Cisalhamento vertical gerando turbulências nas extremidades de uma térmica
Representação do fluxo em uma térmica sem e com influência de vento (il. rev. Cross Country)
Nas montanhas, as térmicas desprendem do cume mais elevado das adjacências. Uma maneira simples de entender este fenômeno é a analogia feita com o mel que goteja de uma superfície irregular. Antes de se soltar da superfície, a gota de mel se acumula na ponta da maior saliência e adquire volume até que esteja com determinado peso que seja maior do que a capacidade de se aderir à superfície. Pensando nesse modelo de cabeça para baixo, o mesmo se aplica às térmicas que se formam em regiões montanhosas.
Nas planícies e com ventos calmos a moderados, a tendência é que as térmicas se organizem em padrões hexagonais, sendo as interseções das linhas do polígono o local dos núcleos das térmicas, as linhas do polígono são as linhas de convergência e o centro é onde predominam as descendentes. O modelo que se pode fazer uma analogia visual aqui é o da sopa de missô que, ao esfriar, forma padrões de aglutinação que seguem o mesmo princípio convectivo. Outro modelo na natureza que revela este padrão é o da lama ressecada, que forma rachaduras com placas análogas ao padrão hexagonal da térmicas. Um outro modelo similar é o dos favos de uma colmeia.
Ainda nas planícies, em dias de mais vento e com formações favoráveis de nuvens, esse padrão hexagonal se alonga no sentido do vento, como uma porta pantográfica fechada, enfileirando as térmicas e formando nuvens alinhadas com o vento, as desejadas “cloud streets”.
Em sistemas climáticos de alta pressão, as térmicas são mais estáveis em relação ao ar vizinho, de menor diâmetro, multicêntricas, mas com grande razão de subida no seu miolo. São térmicas mais difíceis de serem centralizadas devido ao seu tamanho e mais turbulentas, por essas características próprias. Raramente resultam em formação de nuvem.
Do contrário, em sistemas de baixa pressão, as térmicas são mais instáveis e persistentes, maiores, de núcleo único e razão de subida constante. Frequentemente resultam na formação de nuvem convectiva.
Por padrão, nos extremos inferior e superior de uma térmica a razão de subida é menor do que na sua extensão intermediária, onde o fluxo é máximo. A razão disso é que ao se desprender do solo, a parcela de ar ainda não está suficientemente organizada em fluxo, tendendo, inclusive, a se deslocar horizontalmente sobre o solo antes de ascender. Na porção superior da térmica, próxima da base da nuvem ou da inversão, ocorre uma diminuição da velocidade do fluxo por equilíbrio entre as temperaturas da parcela de ar e do ar circunvizinho.
Razões de subida ao longo de uma térmica (il. Revista Cross Country)
Chamamos de gatilho de térmica qualquer incidência que cause perturbação no fluxo do vento sinótico, capaz que gerar uma variação na pressão e, com isso, favorecer o desprendimento de uma térmica que já estaria “madura” o suficiente para se desprender. Estes gatilhos têm uma maior importância em planícies, onde a regularidade do terreno cria estabilidade na camada limite e qualquer ocorrência que interfira nessa estabilidade atua como gatilho.
Tais gatilhos podem ser construções, campos arados, lagos, nichos de matas, fios e torres de alta tensão ou até mesmo veículos, pessoas ou gado se movimentando em terreno propício à formação de térmicas.
Já nas montanhas os gatilhos possuem menor relevância, uma vez que o próprio relevo já atua como gatilho.
O ar a sotavento de um relevo é turbilhonado, criando condições para o desprendimento de térmicas. Apesar da turbulência encontrada em térmicas no rotor de uma montanha, a intensidade dessa turbulência varia de acordo com fatores como intensidade do vento, intensidade das térmicas do dia, da altura e inclinação do relevo, e da incidência do sol.
Térmicas de sotavento tendem a ser menos turbulentas em dias de menos vento e térmicas fortes, em encostas de menor altura e inclinação, e quando a face a sotavento está voltada para o sol.
Sabendo que as térmicas brotam de solos aquecidos, se desprendem das maiores elevações na região, derivam com o vento e determinam a formação de uma nuvem, pilotos experientes sabem onde buscá-las. Portanto, não se trata de sorte, mas de conhecimento. Como passamos a maior parte do tempo em voo interagindo com térmicas e sem elas o voo livre seria muito limitado, devemos saber onde procurá-las e, uma vez encontradas, reconhecer sua forma e seu comportamento e tirar dela o que ela tem de melhor, evitando o que tem de pior.
Frequentemente pilotos locais conhecem onde há constantes térmicas em seus sítios. São as “térmicas residentes”. Os mesmos fatores que fazem com que estas térmicas ocorram se repetem em padrões semelhantes em outros lugares.
Assim, a procura por nossos potes de ouro deve ser em encostas voltadas para o sol e para o vento predominante, a sotavento de saliências do relevo que favorecem o escoamento e sob nuvens convectivas posicionadas na deriva do vento.